Jorge Moreira Leonardo

Matias Simão

24 de Julho de 2024


Capítulo I

Na freguesia dos Altares, já a caminho dos Biscoitos, existe um monte que dá pelo nome que serve de título a este conto. Há quem defenda que foi a sua presença a dar origem ao nome da freguesia dado que, quando vista de qualquer lugar suficientemente alto para a abarcar no seu todo, ele surge como um verdadeiro altar. Devo confessar, no entanto, que entendo como mais defensável a outra versão: a dos altos-ares. No seu cimo alguém entendeu por bem implantar o “Cruzeiro da Independência” que é considerado um Ex-Líbris. Porém, que me perdoem os altarenses, para mim, o Ex-Líbris é o próprio Monte.

Foi já há mais de um longo meio século, quando passei o meu primeiro Verão na vizinha freguesia dos Biscoitos, que, em passeio com um pessoa amiga, lhe prestei, pela primeira vez, verdadeira atenção e tomei conhecimento do seu nome. Informou-me o meu companheiro de passeio que não se conhecia o porquê de Matias Simão e acrescentou, em jeito de galhofa, que alguém o terá descrito como monte desairoso que o mar repele e a terra enjeita.

Fiquei então triste. Não era, no meu entender, modos de identificar nem mesmo um acidente geográfico.  

Desde esse dia a esta parte, que lhe dedico simpatia e me tenho empenhado em conhecer a causa do nome mas devo admitir que em vão. O mais próximo que consegui foi saber, através dos Anais da Terceira, de Francisco Ferreira Drumond, que por lá terá andado um tal  Martim Simão, levando consigo o mister de elaborar um inventário a mando dum Desembargador. Terá sido ele? Mas, se o Povo insiste em chamá-lo de Matias Simão, lá terá as suas razões e geralmente tem. Sempre que por lá passo não resisto em lançar-lhe um olhar.  E até um dia tirei-me dos meus cuidados e resolvi calcorreá-lo.

Mais recentemente - 1993 - num suplemento do jornal “A União”  designado por “Retalhos da Ilha”, no número dedicado à freguesia dos Altares, lia-se na primeira página: “(...) O Pico Matias Simão, de acordo com velhas histórias, foi outrora desesperadamente disputado pela terra e pelo mar. Deus, então, talhou-o ao meio e deu metade a cada um dos pretendentes. O mar, receando pelo futuro, despendeu a sua herança, e a terra nunca mais deixou de acarinhar a parte que lhe coube em sorte (...)”.                                             

Fiquei mais feliz. Não era muito, mas sempre era melhor. De qualquer maneira não me conformo e vou dar-lhe uma prova da minha amizade, criando uma história a seu respeito,  modesta embora. Tão modesta que nem sei se ele preferiria continuar, como agora,  envolto apenas no seu mistério. A intenção, essa, pelo menos é boa. Porque será que o mar despendeu a sua herança?

Embora, hoje, apenas  nos seja   permitido observar  a sua vertente terrestre -  que mantém praticamente  a forma inicial - não é difícil imaginar que a voltada ao mar fosse  mais ampla, ocupando uma grande parte da zona onde hoje o mar é rei e senhor e terminando numa graciosa fajã, contrastando com os rochedos que, no entanto, ladeando-a, lhe serviam também de protecção. No seu todo, o Matias Simão deve ter sido um monte majestoso. À sua volta existia e ainda existe uma rica planície mas que, ao tempo, ainda não se poderia chamar de (...) Imensa alcatifa matizada pelo glauco dos extensos milheirais e pelo ouro do trigo maduro (...)

Guilherme Matias Simão, terá sido o filho único de um negociante de Aveiro e que, em consequência da morte dos pais – prematura, diga-se – ficou, bastante jovem ainda,  na posse duma boa fortuna constituída, na sua maior parte, por importantes e rentáveis negócios que, dado o seu espírito empreendedor, foi sempre aumentando.

Um Domingo, ao sair da Igreja, viu, acompanhada dos pais e irmão, a filha de uns  fidalgos, os Condes de Aveiro, moça que ele conhecera quando ambos eram ainda crianças, mas que, quando atingiu a idade própria, os pais internaram num dos melhores colégios de Lisboa, afim de receber uma educação condizente com a sua condição de fidalga.

Guilherme que, desde a partida dela  para a Capital do Reino, nunca mais a vira, nem a teria reconhecido não fora a presença dos pais, pois dificilmente se acreditava que a criança, meio desajeitada até, que ele vislumbrara uma vez por outra, passeando com o irmãozito pelas ruas de Aveiro, acompanhados de ama ou criado, se transformara na bela mulher que ele tinha agora diante dos seus olhos.     

Na freguesia dos Altares, já a caminho dos Biscoitos, existe um monte que dá pelo nome que serve de título a este conto. Há quem defenda que foi a sua presença a dar origem ao nome da freguesia dado que, quando vista de qualquer lugar suficientemente alto para a abarcar no seu todo, ele surge como um verdadeiro altar. Devo confessar, no entanto, que entendo co…





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