Jorge Moreira Leonardo

Matias Simão

08 de Agosto de 2024


Capítulo III

Jovem, embora, mas já bastante astuto, sabia que a ira do sogro não se aplacaria apenas com a expulsão, e que, mal soubesse do casamento, iria persegui-los por toda a vida, porque gozava de grande influência junto do Paço Real, e até se dizia que, durante uma viagem ao Norte, os Reis de Portugal tinham passado um dia no seu palacete. Por isso, só havia uma maneira de colocar entre eles e os sogros uma barreira, praticamente intransponível. E que outra melhor do que o mar?

Ainda pensou nas áfricas, mas D. Violante a quem não impressionara o escarlate do sangue do marido, já era pedir de mais que ignorasse o negrume da pele das gentes daquele Continente, ainda meio envolto em algum mistério. Foi então que lhe veio à ideia as Ilhas dos Açores, principalmente a Terceira de que já ouvira falar a outros negociantes e que oferecia grandes oportunidades a pessoas com o seu dinamismo. E se bem o pensou, melhor o fez.

Vendeu o seu negócio e os seus bens o que lhe rendeu uma boa maquia, acautelou o futuro dos empregados que vinham já do tempo de seu pai, e,  sempre debaixo do maior segredo, voltou a Santarém e depois seguiu para Lisboa donde partiu para o arquipélago. A criada que fora o anjo da  guarda do seu amor, como não quis acompanhá-los,  passou a viver em casa dos tios de Guilherme.

Chegado à ilha, após tormentosa viagem, procurou maneira de se instalar com o mínimo  conforto, ainda que provisoriamente, e resolveu percorrê-la de lés a lés antes de tomar qualquer decisão. Não queria meter-se em qualquer negócio que lhe queimasse a fortuna que, embora herdada em boa parte, ele soubera não só conservar como também aumentar.

Não foi exactamente o monte que o impressionou, mas sim os terrenos circundantes que lhe pareceram de grande produtividade. Tratou de saber a forma de adquiri-los - o que conseguiu em condições favoráveis - e contratar os homens suficientes para proceder ao seu desbravamento e iniciar os cultivos de trigo e milho que lhe pareceram mais apropriadas ao terreno.

De seguida, tratou de construir uma casa com a dignidade para albergar a sua bem amada. É que D. Violante, essa, sim, ficou desde logo apaixonada pelo monte.

E foi exactamente na construção da casa que surgiu a única divergência que havia de se colocar entre marido e mulher. Ele, de acordo com os avisados conselhos do mestre-de-obras, pretendia construir a casa voltada para a terra num terreno mais consistente (o futuro viria a dar-lhe razão e de maneira trágica) mas D. Violante, habituada na sua terra a ver o mar logo pela manhã, mal abrisse as portadas das janelas do seu quarto, insistia na construção na vertente voltada ao mar. Ora, para um homem que, por amor, sai da sua terra, vende todos os seus bens e atravessa o mar, os desejos da esposa têm de pesar mais do que os conselhos dum qualquer mestre.

Consequentemente, toda a construção obedeceu mais a aspectos estéticos do que aos de segurança. O mestre, Sebastião de seu nome, ao ver tudo aquilo limitava-se a abanar cabeça em sinal de reprovação, mas logo de seguida também encolhia os ombros - que diabo! - a casa não era para ele e tinha a consciência tranquila de os ter avisado para os perigos de tal construção. Foi ainda, por sugestão de D. Violante, construída uma estreita mas longa escadaria até à fajã.

A casa ficou concluída dezoito meses depois e foi inaugurada com grande pompa, coincidindo com o segundo aniversário do casamento, tendo Matias Simão convidado para a evento as pessoas mais ilustres da terra, às quais proporcionou um banquete de grande requinte, pois sabia que, apesar do amor que a esposa lhe dedicava, esta sentia também saudades da vida faustosa que conhecera antes de resolver casar com ele. Era uma forma inteligente de inserir a esposa nos ambientes sociais e, assim, atenuar os sacrifícios que ela houve de suportar por seu amor.   

A vida do casal não podia ser mais feliz. Prosperavam a olhos vistos e já tinham aumentado consideravelmente a sua fortuna com a extensão do negócio a outras áreas, como a moagem (através da construção dum moinho de vento) e a vinicultura com a aquisição de terrenos, já então na freguesia dos Biscoitos. Depressa se tornaram benquistos de toda freguesia não só por pagarem a todos os seus serviçais um salário justo, mas, muito principalmente, pelo espírito caritativo de D. Violante, dedicada a diversas obras sociais.

Jovem, embora, mas já bastante astuto, sabia que a ira do sogro não se aplacaria apenas com a expulsão, e que, mal soubesse do casamento, iria persegui-los por toda a vida, porque gozava de grande influência junto do Paço Real, e até se dizia que, durante uma viagem ao Norte, os Reis de Portugal tinham passado um dia no seu palacete. Por isso, só …





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