Jorge Moreira Leonardo

Matias Simão

19 de Agosto de 2024


Capítulo IV

Uma vez por outra deslocavam-se a Angra no seu belo coche, para participar em festas das mais ilustres famílias da terra com algumas das quais haviam, entretanto, estabelecido relações de grande amizade. E até a única nuvem que pairava sobre o ambiente conjugal, foi dissipada um mês após a inauguração da casa quando D. Violante, plena de felicidade, anunciou a seu amado esposo que ia ser mãe. Isto quando já existiam fundadas suspeitas sobre a esterilidade de pelo menos, um dos membros do casal. Cumpria-se assim, pela maneira mais feliz, o velho ditado: “casa pronta tumba ou berço”. É verdade, no entanto, que, de vez em quando, D. Violante, chorava de saudades dos pais e irmão, mas tinha a inteligência de o fazer sem que o marido se apercebesse, pois sabia quanto isso o iria atormentar.

Como neste mundo não existe gosto perfeito, foi a partir desse anúncio que a vida do casal começou a andar para trás. D. Violante teve uma gravidez muito difícil e, aquando do parto, em dado momento, chegou a recear-se pela sua vida. Tudo acabou em bem, mas ela nunca mais gozou de saúde perfeita. De tal sorte que tiveram de contratar uma ama para amamentar o menino. O único médico existente na ilha, ao tempo, desaconselhou uma nova gravidez.

O menino, que foi baptizado com o nome de André de Noronha Baltazar Matias Simão, na justa medida em que foi crescendo, depressa  se percebeu que não herdara a beleza de nenhum dos seus progenitores e até se notou que o seu olho esquerdo, principalmente quando fixava qualquer objecto, parecia querer esconder-se detrás do nariz. D. Violante nunca partilhou este segredo com ninguém, mas via cada dia acentuarem-se no rosto do filho os traços dum tio-avô paterno que toda a vida a horrorizara mais pelo temperamento colérico e malvado do que pela aparência.

Durante a infância e adolescência o André havia de se mostrar muito reservado e raramente convivia com as outras crianças, quer fossem os filhos dos trabalhadores, quer mesmo os filhos de amigos dos pais quando, principalmente no Inverno, devido à precária saúde de D. Violante, passavam algumas temporadas em Angra numa casa apalaçada que Matias Simão, entretanto, adquirira. Para esse seu comportamento, não era de maneira nenhuma indiferente o facto de, bem cedo, se ter apercebido da sua deficiência.

Violante encarregou-se da educação do filho, valendo-se dos preciosos ensinamentos que recebera no Colégio que frequentou. Além do mais, o marido consumia o seu tempo dirigindo os negócios e não tinha a sua educação. O menino mostrava grande interesse pelo estudo, mas evidenciando sempre um temperamento amargo.

Um belo dia, foram surpreendidos com a visita dum primo de D. Violante, comandante dum navio que, há cerca de uma semana, se encontrava fundeado na baía de Angra. A alegria da visita foi ofuscada pela notícia de que seus pais haviam falecido. A mãe que, desde a primeira hora, nunca mais deixara de chorar a ausência da filha, adoeceu e morreu três meses depois; o pai, há apenas um ano, vítima de uma grave doença do coração. Seu irmão Afonso era, agora, senhor absoluto de toda a fortuna dos Noronhas de Baltazar. D. Violante, naquele momento, esqueceu todo o passado e chorou copiosamente a tremenda notícia. Embora todas as cartas que escrevera aos pais tivessem ficado sem resposta, nunca havia perdido a esperança duma reconciliação que, agora, se esfumava.

O marido, então, quando a viu mais serena, e, para a confortar, sugeriu a ideia de ela aproveitar o regresso do navio à metrópole, a fim de visitar o irmão e levar o filho para o internar num Colégio que lhe completasse a educação, entretanto recebida, e até, mais tarde, ingressar na Universidade. A esposa ficou indecisa entre deixar o marido e ver o seu irmão e até a sua saúde - que nunca mais recuperara - não era muito animadora. A decisão de partir foi, no entanto, assumida porque, perante a surpresa dos pais, o Andrèzinho, pela primeira vez, manifestou um desejo: queria ir ao Continente. E lá partiram.

A primeira decepção aconteceu em casa dos pais. Afonso, aquele irmão que ela tanto amara e que, devido ao facto de ser mais velha, muitas vezes acarinhara, hoje, Senhor de Aveiro, era o vivo retrato de seu pai e até já adquirira o mesmo caracter austero. Recebeu a irmã com grande frieza e até desconfiança, pois ainda receou que ela viesse com a intenção de reclamar alguma parte da herança. Tinha casado com uma filha dos condes da Covilhã que ela, aliás, conhecia dos tempos de infância, e já pai de um casal de filhos. Fez sentir à irmã que lhe daria acomodação, mas só até ela encontrar outra solução.

Violante recusou com grande dignidade e, por sua vez, tranquilizou o irmão quanto à herança, fazendo-o saber que tinha meios de fortuna largamente superiores aos dele, ainda que guardando para si toda a herança. A única mágoa que mantinha, acrescentou, era não se ter reconciliado com os pais. Esta atitude deixou o irmão presa de um sentimento de alívio, mas também inveja. Despediram-se, e ela foi procurar pousada a casa de uma amiga de infância, que até fora a única confidente do seu amor com o Guilherme. Esta recebeu-a com grande alegria e acomodou os dois com todo o conforto. Aceitaram a hospitalidade da amiga até se refazerem do cansaço da viagem, após o que regressaram a Lisboa. 

Uma vez por outra deslocavam-se a Angra no seu belo coche, para participar em festas das mais ilustres famílias da terra com algumas das quais haviam, entretanto, estabelecido relações de grande amizade. E até a única nuvem que pairava sobre o ambiente conjugal, foi dissipada um mês após a inauguração da casa quando D. Violante, plen…





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