Jorge Moreira Leonardo

Matias Simão

23 de Agosto de 2024


Capítulo V

André ainda permaneceu durante cerca de um mês no Colégio, onde entretanto ingressara mas, assim que se aproximaram os dias da mãe regressar à Terceira, quis forçosamente acompanhá-la. Só que voltou mais amargo do que nunca, pois a expectativa que transportara consigo à partida, não se concretizaram. Fora rejeitado pelos colegas que o escarneciam devido ao seu aspecto vesgueiro. Não raro acusava os pais do seu acto que considerava tresloucado e, mesmo quando estes lhe recordavam que era exactamente a essa loucura que ele devia a vida, ele respondia de forma desabrida: - Pois melhor fora não ter nascido!  

  1. Violante a quem o cansaço das viagens e o comportamento do filho agravaram os padecimentos, foi definhando acabando por falecer cerca de três anos após o regresso. O seu passamento deixou consternado toda a freguesia onde a falecida era muito querida. Causou também grande escândalo o comportamento do filho a quem, durante todas as cerimónias, não viram verter uma única lágrima, nem qualquer outro sinal de tristeza. Pelo contrário, eram evidentes os sinais de impaciência. Seu pai, esse estava inconsolável, e, de vez em quando, até afirmava que a sua vida acabara com a da esposa. Na verdade, daí em diante, foi-se, aos poucos, desinteressando dos negócios e já se suspeitava que começara a beber. A suspeita resultava do facto de pouco ou nada aparecer. Isto porque ao filho ninguém ousava perguntar coisa alguma.

Este que, entretanto, atingira os dezoito anos, assumiu as rédeas do negócio, mas a vida daquela gente passou a ser um verdadeiro inferno. Começou por despedir o feitor João Martins - que seu pai nomeara há já muitos anos -  dando-lhe o tratamento dum qualquer trabalhador. Dizia que não precisava de ninguém para o ajudar. E, assim, aquela Casa que, durante vários anos, fizera a Felicidade de tanta gente, era agora um lugar detestado e só lá trabalhavam aqueles que não tinham outra forma de ganhar o pão de cada dia.

Entre estes contava-se o António da Queimada, homem de mau feitio, mas que conseguiu ganhar as boas graças do novo patrão. E porquê? Primeiro porque se prestava a todas as malvadezes que este praticava; mas também porque era pai da Amélia, moça muito bonita, e sobre quem o André (agora já com vinte e três anos)  pousara um dia o seu olho vesgo. Não porque o movesse qualquer sentimento nobre, mas sim devido ao desejo mórbido de a possuir. Ele que, apesar de malvado, era de grande timidez em frente de mulheres, talvez por se saber bem pouco atraente.    Já de algum tempo que a casa era sacudida por estranhos estrondos, cada vez mais fortes e frequentes. Já se falava até de almas do outro mundo e, inclusivamente, os mais crendeiros, afirmavam tratar-se da alma de D. Violante que não sossegava lá no Céu enquanto na terra o filho tinha tais procedimentos e o marido consumia a sua vida no alcoolismo. De tal sorte que,  um dia,  perante um estrondo mais forte,  a única criada que lá trabalhava e apenas para tratar do pai, então já acamado, fugiu esbaforida gritando que se tratava de coisas do inimigo e que nem morta voltava mais àquela maldita casa. Esses estrondos eram acompanhados do aparecimento de grandes fendas na casa mas que, André, ou não se apercebia, porque ocupava apenas o seu quarto e a cozinha, ou então, pouco interessado em gastos que, em seu entender, fossem desnecessários, preferiu ignorar.

Quando o António da Queimada, que a toda a força queria casar a filha com o seu amo (como servilmente tratava o patrão), soube da fuga da criada, lembrou que, se ele a mulher e a filha fossem para lá viver, onde não faltavam cómodos, para além de tratarem do pai e da lida da casa, talvez que a filha se convencesse a casar. André sorriu malvadamente e aceitou a ideia. É que a Amélia estava de namoro com o José, filho do antigo feitor e nem lhe passava pela cabeça casar com o patrão do pai, que detestava.

No mesmo ano em que seu pai morreu, a ilha, após sangrentos combates, caiu nas mãos dos espanhóis. A morte de Guilherme Matias Simão não causou a tristeza que causara anos antes a da esposa. Já de há muito que não aparecia e o povo dizia que,  com tal vida e tal filho,  o melhor foi mesmo Nosso Senhor o ter levado para junto da sua estremecida esposa.

André assistiu à capitulação da ilha sem grande preocupação. Nunca fora dado a grandes patriotismos e uma vez que a sua vida e haveres haviam sido poupados, de que poderia queixar-se? Desde que continuasse sem problemas, ele decerto não os iria suscitar. E só havia uma maneira de o saber.

Assim que teve a certeza que os espanhóis já  tinham, de forma irreversível,   dominado a ilha (não fosse o diabo tecê-las) mandou limpar o coche que, desde a morte da mãe, nunca mais fora utilizado, ajaezou o melhor que foi possível dois cavalos e, envergando uma das vestes mais luxuosas de seu pai, lá partiu para Angra, a fim de chegar à fala com os espanhóis. Foi recebido, após várias diligências, por um dos lugar-tenentes do Marquês de Santa Cruz a quem manifestou o seu apoio ao Rei Filipe II de Espanha e aproveitou para informar que estava pronto a fornecer farinhas, fruta e vinho, caso necessitassem. 

André ainda permaneceu durante cerca de um mês no Colégio, onde entretanto ingressara mas, assim que se aproximaram os dias da mãe regressar à Terceira, quis forçosamente acompanhá-la. Só que voltou mais amargo do que nunca, pois a expectativa que transportara consigo à partida, não se concretizaram. Fora rejeitado pelos coleg…





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