João Garcia

Heráldica da Horta uma herança que não pode ser substituída

12 de Setembro de 2024


A recente decisão da cidade da Horta de substituir o seu brasão de armas por uma marca gráfica em toda a sua comunicação institucional é, no mínimo, preocupante e merece uma reflexão crítica, mas construtiva. O brasão de armas da Horta, um símbolo heráldico único em Portugal, não é apenas um elemento decorativo. Ele carrega consigo a história, a identidade e o património de uma comunidade que ao longo dos séculos se construiu e se distinguiu. Retirar o brasão da comunicação institucional do Município é apagar um pedaço da memória coletiva de um povo.

Não há qualquer objeção à utilização de um logótipo ou “marca” para fins de marketing, promoção turística, materiais de comunicação, websites e outros documentos de natureza promocional. Pelo contrário, o uso de uma identidade visual moderna é uma prática comum e benéfica, pois permite aos municípios projetarem-se de forma apelativa e eficaz, especialmente num mundo onde a imagem tem um peso determinante. No entanto, essa identidade visual alternativa não deve, nem pode, substituir o brasão oficial.

Os brasões de armas representam muito mais do que uma simples imagem; são símbolos legalmente reconhecidos que trazem consigo a história e a tradição de um local. No caso da Horta, o seu brasão reflete elementos únicos da sua geografia, cultura e história, que se perdem ao serem substituídos por um design moderno sem qualquer raiz no passado. Enquanto os logótipos modernos são flexíveis, adaptáveis e podem ser alterados conforme as tendências e necessidades de marketing, o brasão de armas é estável, representando uma continuidade e ligação às origens da cidade.

É crucial entender que a criação de um logótipo não requer o rigor e o processo de aprovação que uma alteração heráldica exige. Assim, ao optar por uma marca que apaga completamente o brasão, a cidade da Horta parece desconsiderar o valor simbólico que esse brasão representa. As tradições não são um entrave ao progresso; pelo contrário, são a base sólida sobre a qual se constrói a modernidade. Substituir um símbolo carregado de história por um design moderno em todas as instâncias de comunicação institucional, na prática, não é uma boa decisão e até poderá ser entendida como uma desconsideração da herança cultural da cidade.

A heráldica municipal não é apenas um símbolo de pompa e circunstância, mas sim um legado. É preocupante que, na ânsia de modernização, se decida pela eliminação de um elemento identitário tão importante. A convivência entre tradição e inovação é possível e desejável. A modernização da imagem de um município não deve significar o abandono daquilo que o torna único, mas sim a sua valorização e adaptação aos tempos modernos.

O logótipo moderno pode e deve coexistir com o brasão de armas, cada um cumprindo o seu papel e respeitando o seu espaço. O que a Horta precisa, e o que tantas outras cidades também deveriam considerar, é encontrar um equilíbrio onde o marketing moderno e a herança cultural possam coexistir harmoniosamente, sem que uma apague a outra. Afinal, a identidade de um município é construída tanto no passado quanto no presente, e a decisão de preservar ambos é uma escolha de sabedoria e respeito pela comunidade que aqui vive.

 

Decreto de 3 de Maio de 1865 do Ministério dos Negócios do Reino – Direcção Geral de Administração Política (2.ª Repartição). Publicado no Diário de Lisboa, N.º 139, 22 de Junho de 1865, p. 1497. 

“Querendo conferir á cidade da Horta, na ilha do Faial, um testemunho authentico do apreço em que tenho os notaveis e efficazes serviços que os seus habitantes prestaram á causa do throno constitucional, não só correndo em grande numero a alistar-se nas fileiras destinadas a defender tão justa causa na luta contra a usurpação, mas contribuindo generosamente com os seus haveres e com o trabalho de seus braços para o estabelecimento de um arsenal de marinha, onde foram reparados alguns navios da expedição, que tanto cooperou para o triumpho dos principios liberaes, continuando constantemente os mesmos habitantes a dar immensas provas da sua lealdade; e conformando-me com os pareceres dos conselheiros ajudante do procurador geral da corôa junto do ministério do reino, e governador civil do districto da Horta: hei por bem fazer mercê á cidade da Horta do titulo de «muito leal», e outrosim me praz permittir, vista a informação do rei de armas Portugal, que a mesma cidade d’ora em diante possa usar, em devida fórma, do seguinte brazão de armas; a saber: um escudo esquartelado, tendo no primeiro quartel, em campo de prata, as quinas de Portugal; no segundo, em campo azul, o busto de prata de Sua Magestade Imperial o Senhor D. Pedro IV, meu augusto avô, de muito saudosa memória; e no contra chefe a corôa e sceptro de oiro, allusivos ao facto da sua abdicação; no terceiro, em campo azul, um livro de prata tendo escripta em letras azues a data de 29 de abril de 1826, em allusão á carta constitucional da monarchia; e no quarto, em campo de purpura, um castello de prata, e pousado sobre elle um açor também de prata. Orla azul com a legenda em letras de oiro «D. Luiz I á muito leal cidade da Horta», corôa ducal; e por timbre um braço de prata armado de uma espada do mesmo metal.” 

O ministro e secretario d’estado dos negocios do reino assim o tenha entendido e faça executar. 

Paço da Ajuda, em 3 de maio de 1865. = REI. = Julio Gomes da Silva Sanches.

 

Ora, sendo certo que ao longo da história houve ímpetos para alterar o nosso brasão de armas (do Município), único em Portugal, sempre e felizmente o bom senso prevaleceu, pelo que agora também espero que o executivo municipal epossa rever a sua comunicação institucional utilizando o brasão consagrado na Lei e que nos destaca pela sua singularidade e beleza.

A recente decisão da cidade da Horta de substituir o seu brasão de armas por uma marca gráfica em toda a sua comunicação institucional é, no mínimo, preocupante e merece uma reflexão crítica, mas construtiva. O brasão de armas da Horta, um símbolo heráldico único em Portugal, não é apenas um…





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