Nos últimos anos, tem-se assistido à construção de uma narrativa que demoniza os pescadores nos Açores, retratados como os responsáveis pela degradação ambiental e pela exploração excessiva dos recursos marinhos. No centro deste debate está o conceito de "sustentabilidade", usado agora não como um verdadeiro caminho de equilíbrio, mas como pretexto para políticas que, na prática, prejudicam as comunidades locais e o setor pesqueiro. No entanto, o que está realmente em jogo? Quem realmente beneficia? A aprovação do Decreto Legislativo Regional (DLR) que define novas áreas marinhas protegidas é um exemplo claro de como uma medida, teoricamente benéfica, foi implementada de forma imprudente e sem ouvir aqueles que mais dependem desses recursos: os pescadores açorianos.
A Influência da Blue Azores e o Papel do Governo Regional
Entre os atores centrais deste processo está a iniciativa “Blue Azores”, uma parceria entre o Governo Regional dos Açores e a Fundação Oceano Azul, que visa proteger 30% das águas açorianas através da criação da Rede de Áreas Marinhas Protegidas dos Açores (RAMPA). O que deveria ser um processo transparente e colaborativo tornou-se opaco, excluindo as vozes dos próprios pescadores, que, há décadas, conhecem profundamente os mares açorianos e as suas necessidades. Além disso, não existe transparência sobre os montantes públicos gastos nesta parceria, nem uma avaliação clara de como esses investimentos se traduzem em benefícios reais para as comunidades locais, nem tão pouco a escolha dos locais alvo de proteção e em que dados se sustentou estas escolhas.Um exemplo claro é o Banco Condor, ao largo da ilha do Faial, onde foi estabelecida uma pareceria com os pescadores para fechá-lo à pesca por um período largo e depois foi renovado com o acordo das partes. Agora é fechado definitivamente à pesca de linhas de mãos sem qualquer aviso. Qual o papel da Universidade dos Açores neste processo?
A Exclusão dos Pescadores e o Papel da União Europeia
A imposição destas áreas marinhas protegidas vem com restrições severas para a atividade pesqueira, sem oferecer alternativas reais de subsistência aos pescadores locais. Ao mesmo tempo, frotas estrangeiras, especialmente espanholas, continuam a explorar os recursos pesqueiros dos Açores, em especial determinadas espécies, muitas delas com quotas atribuídas a Portugal, sem que haja qualquer intervenção eficaz da União Europeia ou do Governo da República para controlar a situação. Questiona-se, assim, o verdadeiro compromisso da “Blue Azores” com a sustentabilidade e o papel do Governo Regional, que aparenta ter esquecido processos fundamentais como a interdição da pesca para além das 100 milhas, mas dentro da zona económica portuguesa. Curioso que o conceito de sustentabilidade para a União Europeia tem diferentes significados.
A Decisão Infeliz dos Deputados Regionais
É neste contexto que a atuação dos deputados regionais merece destaque, pela sua falta de compreensão e de responsabilidade. Ignorando, também, os pescadores, os deputados aprovaram um DLR sem uma análise profunda, como se estivessem a seguir uma agenda pré-estabelecida, sem questionar as suas consequências. Em vez de rejeitarem o diploma para que o processo fosse reformulado de forma adequada, optaram por fazer alterações que não passam de uma “manta de retalhos”. Essa decisão infeliz coloca os deputados que aprovaram o diploma ao nível de quem elaborou o diploma, pois ambos demonstraram desconsideração pelas vozes locais e pelas necessidades das comunidades açorianas.A atitude dos deputados, que preferiram não ouvir os pescadores, mostra a fragilidade do compromisso político com os açorianos. Esta postura revela uma desconexão entre a Assembleia Legislativa e as comunidades que representa. Aliás, é confrangedor ouvir um debate sobre este importante tema e verificar que temos uma larga maioria de deputados que desconhecem o sector das pescas.Nem deram conta da integração neste diploma das zonas protegidas costeiras dos Parques Naturais de Ilha, que contêm incoerências e absurdos, limitando em algumas ilhas como no Faial a pesca costeira em quase toda a sua extensão de linha de costa. Se deram conta é ainda muito mais grave.Ao aprovarem o decreto, sem uma reformulação que incluísse uma consulta real e ampla com o setor pesqueiro, os deputados traíram as expectativas dos da fileira da pesca açoriana, demonstrando uma postura negligente e subserviente a pressões externas que não compreendem a realidade do nosso arquipélago.
Uma Sustentabilidade de Rótulo: As Consequências para o Futuro
Quando utilizada sem critério e alheia à realidade, a "sustentabilidade" torna-se uma bandeira vazia. Nos Açores, onde a pesca artesanal sempre foi um exemplo de sustentabilidade, a narrativa da proteção ambiental foi usada para justificar um modelo de conservação que exclui os principais guardiões dos mares: os pescadores locais. Em nome da sustentabilidade, coloca-se em risco uma atividade tradicional e vital para a economia e a cultura da região.
Urgência de um Processo Transparente e Inclusivo
Diante deste cenário, urge que se reavalie todo o processo de criação das áreas marinhas protegidas, desta vez de forma transparente, com o envolvimento ativo das comunidades e dos setores económicos locais. A proteção dos oceanos é essencial, mas só é eficaz quando conta com o apoio e a participação das pessoas que vivem e trabalham em estreita ligação com o mar.Os pescadores do Faial nunca foram ouvidos sobre as Áreas Marinhas Protegidas, nem sobre as propostas de alteração introduzidas na Assembleia Legislativa. Esta é a verdade!É essencial que o Governo Regional e os deputados açorianos assumam o compromisso de reformular este processo, envolvendo todas as partes interessadas para que o conceito de sustentabilidade seja respeitado no seu verdadeiro sentido. A conservação dos oceanos deve ir de mãos dadas com a conservação das comunidades que deles dependem, e não servir para promover uma visão tecnocrática e desconectada da realidade dos Açores.
Conclusão
O Governo Regional dos Açores, a “Blue Azores” e a maior parte dos partidos com assento parlamentar estão muito satisfeitos com o remendo que aprovaram – porque, afinal, proteger de verdade é irrelevante; o importante mesmo é encher o peito e anunciar orgulhosamente que temos 30% do nosso mar “protegido”. Agora, brindam-nos com campanhas de televisão festivas, cujo custo ninguém conhece, enquanto a vida marinha se deteriora: os Meros desaparecem, as algas exóticas proliferam, o plástico acumula-se sem fim, e a fiscalização, essa, é uma piada. Mas atenção: essa falta de fiscalização é apenas para quem importa, porque para os pescadores açorianos, que operam em pequenas embarcações, essa não falha – eles são os únicos que merecem vigilância apertada. Já as frotas industriais? Estão à vontade para massacrar tubarões azuis, espadartes e outras espécies de alto valor comercial para a região.
No fim, é fácil proclamar proteção ambiental quando as medidas são apenas para "mostrar serviço" – mas o oceano, esse, continua a pagar o preço pela política de aparências.