Após o resultado das eleições americanas do dia 5 de novembro, entendi discorrer sobre este assunto face à gravidade do resultado, no meu modesto entendimento. A minha intenção era escrever sobre a aprovação parlamentar, na Assembleia Legislativa Regional dos Açores, sobre a criação da maior rede europeia e do Atlântico Norte de áreas marinhas protegidas, cujo valor é de 287 000 quilómetros quadrados (3 vezes o território nacional). Este decreto regional reflete o compromisso internacional da região autónoma com a sustentabilidade e diversidade do oceano, sobre a sua jurisdição, cuja antecipação legal catapultou os Açores para o espaço mediático mundial, liderando pela iniciativa o cumprimento das diretivas das Nações Unidas – Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Acima de tudo, foi talvez o arrojo legislativo de maior amplitude estratégica, após o nascimento da autonomia, consubstanciada no seu normativo legal, que é o Estatuto Político-Administrativo. Os açorianos estão de parabéns! Ver mais longe, pensar nas próximas décadas e navegar à bolina para o século XXII, por forma a apoiar a economia azul saudável.
Falemos do Trump, que é o propósito deste texto que tento dar-vos, com o pouco conhecimento que tenho. Evocarei primeiro algumas premissas, antes de fazer considerações de alguma dureza.
Em democracia quem manda, direi mesmo quem ordena e lembrando o nosso Zeca Afonso - o povo é quem mais ordena – é sempre o povo, repito SEMPRE O POVO! Sabendo que os resultados eleitorais devem respeitar a vontade da maioria, mas sem pôr em causa as minorias duma forma indigna ou desrespeitosa.
A separação de poderes e a sua legitimação são a salvaguarda do regular funcionamento das instituições, com a consequente defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
A liberdade de imprensa como pedra angular duma sociedade informada, esclarecida e catalisadora das restantes liberdades. Como disse Karl Popper, “que a riqueza da democracia é fruto da liberdade, da iniciativa e da liberdade de expressão”.
Aristóteles, grande sábio da antiguidade afirmou que "a melhor qualidade dum homem de estado é o bom senso".
A eleição deste populista e pseudo-magnata, cuja anterior presidência foi um caos reflete a deriva e o desvio dos valores democráticos, cujo anterior staff avisou na comunicação social. Tendo abandonado a presidência não reconhecendo os resultados, que foram contestados através das múltiplas ações judiciais e que nenhum tribunal reconheceu, mostrou à evidência o calibre da personalidade sem o mínimo de decência. Os dois processos de destituição, sendo o último revelador do seu temperamento violento e boçal, que deu origem à sedição do Capitólio, em que pereceram cinco pessoas, revela a sua atitude autocrática narcísica. Uma verdadeira cavalgadura.
A tentativa mais que frustrada de reverter o resultado do Estado da Geórgia, em que, o telefonema ao Secretário de Estado da Geórgia revela o maior despudor e falta de vergonha para conquistar votos ilegítimos, violando flagrantemente o que é mais sagrado no sistema democrático, o voto direto e universal, um voto, uma pessoa.
Para além destas anteriores ações de grande gravidade, houve outras, em que destacamos, os documentos secretos espalhados e ilegalmente manuseados na sua residência em Mar Lago, na Florida, que foram solicitados e que constantemente negados aos Arquivos Nacionais. Os empréstimos hipotecários com informação patrimonial inflacionada foram outra das artimanhas utilizadas para financiar as suas empresas e os seus negócios. O pagamento ilegal a uma meretriz, com fundos da campanha. Aliás, existindo já condenação de 34 crimes provados no tribunal, faltando somente a sentença decretada pelo juiz.
Na presidência de Trump o que me chocou verdadeiramente foi a gestão executiva da pandemia. A tardia tomada de decisão e as conferências sanitárias revelaram a idiotice e a desumanidade em proporções nunca vistas, na democracia que tenta liderar o mundo livre e que quer ser o exemplo.
Durante esta campanha insultou a oponente de forma aviltante, uma mulher de grande dignidade, faltou à verdade quanto aos factos e continuando a não reconhecer a eleição perdida em 2020, mas acabando por ganhar o voto popular e os grandes eleitores. Nesta última eleição teve o desplante de comunicar publicamente que durante o processo de contagem de votos no Estado da Pensilvânia existia um processo fraudulento a decorrer, quando tal facto era duma falsidade enorme.
Apesar destas factualidades, o candidato republicano recebeu o voto. Alguém que desprezou e despreza a democracia. Os cidadãos americanos evocaram a economia! Não será mais importante a democracia, porque sem ela não existe boa economia, ou seja, o chamado welfare state, à moda americana!
Caros leitores, por uma questão de honestidade intelectual, tenho dificuldade em compreender, que face aos antecedentes governativos e judiciais, o povo americano tenha democraticamente decidido que Trump seria o presidente sucessor de Biden. Espero sinceramente que os checks and balances do sistema constitucional americano sejam robustos para travar qualquer totalitarismo perigoso, com nuances de estupidez inaudita. Que as palhaçadas e o circo instalados sejam combatidos pela sociedade e pelas instituições estaduais e federais, face aos atropelos do Trump e de alguns seguidores e apoiantes sem ethos.
As cenas dos próximos capítulos serão a partir de 20 de janeiro de 2025. Imagino uma montanha russa de decisões intuitivas e erráticas. Espero vivamente que os impactos negativos desta nova presidência sejam minimizados o mais possível, mas estou muito preocupado. Pela distopia e disrupção que antevejo e que verifiquei no passado, vai ser doloroso. Espero que os momentos negros – que os haverá, porque infelizmente os erros se repetem – não se prolonguem no calendário da história. Alea jacta est, isto é, A sorte foi lançada, palavras de Júlio César, às margens do Rubicão.