Carlos Frayão

A candidatura do Almirante não augura nada de bom

05 de Fevereiro de 2025


Uma sondagem divulgou há dias que Gouveia e Melo recolhe 25% das intenções de voto dos portugueses, que deixa a grande distância os restantes candidatos e que «59% dos inquiridos acham que o próximo Presidente da República deve intervir mais do que Marcelo Rebelo de Sousa».1

O Almirante Gouveia e Melo surge, assim, para já, como o protocandidato mais bem colocado para vencer as próximas eleições presidenciais, mesmo sem ter confirmado a sua candidatura e sem os portugueses conhecerem o seu pensamento político.

Há comentadores que explicam esta incoerência com o facto de muitos portugueses, desencantados com o sistema político-partidário – com o sistema, como alguns dizem – vigente no país há mais de 40 anos, preferirem um candidato estranho ou exterior ao sistema.

Mas Gouveia e Melo será um candidato estranho ao sistema?

O sistema a que aqueles comentadores se referem é o sistema bipartidário, que também dá pelos nomes de Bloco Central ou de Centrão, assente nas maiorias eleitorais do PS e do PSD, que governam há mais de 40 anos o país, alternadamente – mas entendendo-se e convergindo nas questões políticas de fundo – sem terem solucionado, tendo, em muitos casos, agravado, os problemas económicas e sociais que afligem as classes mais desfavorecidas e a classe média do país.

Ora, a verdade é que o Almirante, apesar dos esforços que tem feito para dar de si mesmo a imagem de um militar e de um não político, vai pensar e actuar sob a influência política e ideológica do Centrão, conforme ele próprio já reconheceu com estas expressivas afirmações e considerações: «o centro deve ser forte e deve encontrar soluções dentro da democracia»; «sou do centro pragmático»; e «se [você] disser que sou uma pessoa de centro-direita, é capaz de estar enganado, se disser que sou de centro-esquerda, também é capaz de estar enganado»…2

Por outro lado, é imperdoável a ignorância dos eleitores que dizem tencionar votar no Almirante na expectativa de que ele intervenha mais na vida política nacional do que interveio Marcelo Rebelo de Sousa…

Marcelo Rebelo de Sousa não interveio pouco, sobretudo no seu segundo mandato, na vida política nacional, havendo até quem ache – bem, a meu ver – que  interveio demasiado…

Só que o próximo Presidente da República, o Almirante ou qualquer outro, jamais terá poderes – atenta a natureza semi-presidencialista do regime democrático português – para solucionar os problemas económicos e sociais dos portugueses que estão na origem do desencanto deles com o sistema

A resolução desses problemas exige um Estado mais social do que o que temos, o que não acontece por força das opções neoliberais dos Governos do PS e do PSD, sendo que tais opções são da exclusiva competência da Assembleia da República e/ou do Governo e não do Presidente da República…

Acresce que, com o seu silêncio sobre a ignorância e as expectativas dos eleitores em torno de uma sua maior intervenção na vida política nacional, o Almirante condescende, objectivamente, com uma interpretação inconstitucional e subversiva dos poderes do Presidente da República…

Mas há mais: no que disse e fez até hoje o Almirante emitiu sinais preocupantes para o bem-estar e para a paz dos portugueses e para o regime democrático.

Afirmou que, para se investir na defesa, «vai haver (…) afectação nas despesas sociais»3, admitindo, assim, que as despesas militares devem aumentar à custa da redução dos gastos com a saúde, com a educação, com a justiça e com os serviços públicos, entre outros…

Assumiu um inusitado tom belicista ao mobilizar os portugueses para uma guerra que não é deles, exortando-os a «morrer onde tivermos de morrer para defender a Europa»…4     

E revelou-se autoritário quando repreendeu, em público, os 13 militares que se recusaram a embarcar no navio Mondego – o Presidente do Observatório de Segurança Interna considerou tal repreensão «excessiva» e «humilhante»5 – e lhes aplicou um castigo que o Tribunal Central Administrativo Sul já anulou…

Face ao exposto, e ao mais que poderia ser invocado, incluindo a sua absoluta falta de experiência política, só posso concluir que a candidatura do Almirante não augura nada de bom para os portugueses, para o país e para a democracia.

 

1 SIC Notícias, 30.01.2025.

2 Entrevistas de 2021 e de Abril de 2024, respectivamente ao Expresso e ao Diário de Notícias, citadas pelo jornalista Vitor Matos no Expresso de 27.11.2024.

3 Lusa/Sábado, 10.01.2025

4 Lusa/CNN Portugal, 15.05.2024.

5 SIC/Notícias, 17.03.2023.

Uma sondagem divulgou há dias que Gouveia e Melo recolhe 25% das intenções de voto dos portugueses, que deixa a grande distância os restantes candidatos e que «59% dos inquiridos acham que o próximo Presidente da República deve intervir mais do que Marcelo Rebelo de Sousa».1





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