Como habitualmente, João dos Reis, farmacêutico de profissão, saiu de casa para apanhar a boleia que o vizinho lhe oferecia quase desde o dia em que se mudara para a actual residência. Foi mais uma vantagem a acrescer à tranquilidade de que ele e a família passaram a desfrutar em comparação com a barulhenta rua onde viviam até ao momento que decidiram adquirir a actual moradia. Ainda recorda a incomodidade que representava as idas e vindas na “urbana” principalmente em dias de mau tempo. Uma vez por outra assumia a iniciativa de atestar o depósito do carro, apesar dos protestos do vizinho, mas não com intenção de pagar um favor que era inestimável. Entretanto nasceu entre os dois uma amizade que se foi fortalecendo com o correr do tempo.
A casa do vizinho, tal como a sua e mais dez que preenchiam aquele lado da rua, virado a Sul, constituíam um investimento de uma empresa de construção que depois as vendeu.
Eram todas de um só piso. A porta de entrada dava para um pequeno hall, com duas portas, uma, do lado esquerdo, dava para uma sala comum (sala de estar e de jantar) ao fundo da qual existia uma larga porta envidraçada; à direita, a entrada para o corredor onde, do lado esquerdo, havia a cozinha e um quarto de banho. Ao fundo e ao lado direito, três quartos de cama. Em frente havia um bengaleiro. Todas as dependências tinham amplas janelas, excepção à casa de banho que possuía uma pequena gateira. No quarto de cama do fundo que fora do filho ele instalou um pequeno escritório e sala de estar, onde assistia aos programas de televisão que lhe inspiravam algum interesse. Muito particularmente transmissões desportivas.
Ao lado da casa uma entrada que dava para o pequeno quintal no qual e em frente havia uma garagem. O acesso do interior da casa para o quintal era feito, normalmente, através da porta da cozinha.
Os minutos foram passando, sem que o vizinho desse sinais de si - ele que era de rara pontualidade - e aproximava-se a hora de ambos entrarem nos seus empregos. Ainda recorda o dia em que chegou com uns escassos minutos de atraso. O vizinho já estava sentado ao volante e quando apresentou desculpas percebeu que ele não as enjeitou. Nunca mais aconteceu.
O vizinho costumava guardar o carro na entrada ao lado da casa. A garagem, essa estava entulhada com a tralha que ele aliviara a casa, pois uma das causas que o levaram ao divórcio é que a ex-mulher não parava de adquirir móveis que ele considerava absolutamente desnecessários. Ela voltara para a sua terra no Continente, na companhia do filho, cuja custódia lhe foi entregue pelo Tribunal, embora ele não tivesse levantado qualquer resistência.
O tempo estava ventoso e um sopro mais forte escancarou, por momentos, a porta e o Golden Retriever que o vizinho adorava, sua única companhia, desde que se divorciara, apareceu à porta demonstrando alguma excitação.
Ainda acreditou que o vizinho voltara a casa a fim de procurar algo que se tivesse esquecido, mas o relógio não parava de correr. Afagou a cabeça do cão e empurrou suavemente a porta chamando: - José Eduardo… José Eduardo. Mas, quando abriu a porta que dava para o corredor ficou horrorizado. O corpo do amigo estava estendido no chão e com evidentes sinais de ter sido agredido. Havia sangue espalhado pelo chão. De imediato telefonou para o 112 relatando o facto e pediu o envio de uma ambulância. Embora não tivesse dúvidas de que o amigo estava morto, não era a ele que competia assumir. Telefonou para a PSP, narrando o facto e informando que já havia solicitado o envio de uma ambulância.
Entrou na sua casa e informou a esposa do que se tinha passado o que provocou uma crise de choro, pois a amizade do vizinho já de há muito se estendera a toda a família.
De seguida telefonou para a farmácia justificando a sua não comparência e também ao Chefe de Finanças relatando a situação.
A PSP e a ambulância chegaram quase em simultâneo.