O 25 de Abril surgiu quando eu era adolescente e a aurora da Democracia em Portugal ocorreu com um grau de politização máxima da sociedade civil, a população então estava ávida de participar livremente no desenvolvimento do País e, naquela época, as lutas entre os partidos eram intensas, mas, estranhamente, discutia-se a ideologia dos políticos e dos projetos, não a idoneidade dos líderes por quem o Povo repartia as suas preferências. Ter um passado limpo era não ter sido colaboracionista da ditadura.
Sendo a democracia um regime de seres humanos não pode ser um sistema perfeito, pois ninguém o é, e a inclusão de imperfeições de cada um não poderia gerar algo sem máculas. por isso a própria democracia está sujeita ao desgaste dos males inerentes aos seus intervenientes.
Uma coisa é escrutinar disfunções na política, más práticas e abusos de poder; outra, é desacreditar as instituições e todos os políticos, mas com o tempo a luta política passou a ser dominada pelo atirar lama a tudo e a todos os que se expõem a ser ativos na causa pública. Inclusivé, passou a existir forças políticas cujo projeto é apenas acusar, arranjar culpados, semear desconfianças que vão desde todos os políticos que não integrem o seu projeto, como minorias da sociedade ou gente vinda de fora para trabalhar.
Infelizmente, os partidos tradicionais, de tanta lama a atirar aos adversários e de tanto se sujarem mutuamente, estão a abrir caminho para potenciais malfeitores poderem vir para a praça pública desacreditarem todos os líderes de todas as instituições e assim desacreditarem cada vez mais a política e prepararem terrreno para eles surgirem como os salvadores da pátria e tomarem o poder.
Este fenómeno não é um exclusivo de Portugal, está a expandir-se cada vez mais por todas as democracias plenas do Planeta, contudo, o descrédito não mina as autocracias, estas usam de musculatura suficiente para sufocarem qualquer escrutínio interno, enquanto, externamente, se aliam e apoiam todas as forças que minam a democracia plena na Europa, nas Américas e na Ásia.
Sou do tempo em que a democratização e expansão do ensino público obrigatório se fez com alguém cujo património vinha em parte de possuir um colégio particular que manteve. Sou do tempo em que a liberdade de imprensa não se sentia comprometida com alguém que governava e possuía o maior órgão de comunicação social do País. Todos sabiam disso e não vinha mal ao mundo, na altura, a Política estava aberta aos empresários que se interessaram por Portugal.
Agora, a política tende cada vez mais a poder ser exercida apenas por trabalhadores por conta de outrém ou indigentes sem negócios que não tenham de expor todas as suas relações profissionais anteriores, durante e depois de eleitos para cargos executivos.
Não sou contra a transparência do exercício dos cargos políticos, ela é necessária perante entidades independentes e fiscalizadoras existentes para o efeito. Sou contra o permanente lançar de suspeitas sobre todos os políticos, da devassa da vida de todos, do contínuo vilipendiar das pessoas com cargos públicos nas redes sociais.
Os dois últimos primeiros-ministros em Portugal caem sem ser provado antes qualquer ato ilegal das suas decisões no exercício do cargo para que foram eleitos, mas viram-se expostos pela desconfiança, pelas suspeitas que sobre eles se lançaram.
Os anteriores primeiros-ministros deste século foram quase todos alvo de suspeitas públicas de envolvência em corrupção ou em negócios ilícitos e assim a democracia tem vindo a cair em descrédito, afugentando cada vez mais da política gente honesta, com potencial valor, humanismo e competência suficiente para poder trabalhar na causa pública por este País, mas que não se quer ver exposta a esta contínua devassa e lançamento de lama a todos os que alcançam lugares cimeiros do exercício executivo.
Entretanto, forças aliadas de regimes musculados ou saudosistas de sistemas não democráticos vão-se instalando democraticamente sobre este lamaçal por eles também criado. Pergunto-me: que futuro estará reservado para democracias que assim se atolam na lama?