A pesca nos Açores sempre foi uma atividade fundamental para a economia local e para a identidade cultural da região. Entre as diversas técnicas utilizadas, a pesca de salto e vara destaca-se por ser altamente seletiva e sustentável, com um impacto ambiental reduzido. No entanto, a criação de áreas marinhas protegidas (RAMPA) sem um debate aprofundado com o setor pesqueiro levanta sérias questões sobre o equilíbrio entre conservação e viabilidade económica.
Os tunídeos, como o atum-rabilho, atum-patudo, o atum-voador e o bonito, são espécies migratórias que percorrem vastas áreas do Atlântico e são geridas por organismos internacionais, como a ICCAT (Comissão Internacional para a Conservação do Atum do Atlântico). Assim, a imposição de restrições locais à pesca na RAMPA tem um impacto limitado ou nulo na preservação destas espécies, enquanto penaliza injustamente os pescadores açorianos.
Ademais, a frota açoriana já utiliza um método de pesca sustentável, reconhecido internacionalmente, ao contrário de frotas industriais estrangeiras que recorrem a redes de cerco e palangres, técnicas muito mais agressivas e prejudiciais ao meio ambiente. Criar entraves à pesca local, enquanto outras embarcações continuam a explorar os mesmos stocks em alto-mar, revela-se uma medida ineficaz, que apenas penaliza aqueles que seguem boas práticas ambientais.
O problema reside no facto de a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores ter aprovado um Decreto Legislativo Regional no qual determinados “visionários”, sem uma discussão responsável e equilibrada com o setor da pesca, impuseram restrições absurdas ao aprovar a Rede de Áreas Marinhas Protegidas. Isto reflete uma tendência preocupante dos tempos atuais, em que muitas decisões são tomadas para criar a mera perceção de compromisso ambiental, sem considerar os impactos reais. No final, quem acaba prejudicado são os pescadores, enquanto uma minoria promove uma narrativa ambientalista distorcida sobre os Açores, que agrada à comunidade internacional, mas está longe da realidade.
A responsabilidade recai diretamente sobre o Governo da Coligação e todos os partidos políticos que votaram a favor da criação da RAMPA, demonstrando total desprezo pela realidade da pesca nos Açores. Ao cederem à pressão de determinados grupos, sem base científica sólida, ignoraram o impacto devastador que estas restrições teriam nas comunidades piscatórias. Esta decisão política, tomada de forma leviana, coloca em risco o sustento de centenas de famílias e demonstra uma clara falta de compromisso com aqueles que verdadeiramente vivem e dependem do mar.
Agora, o Partido Socialista tenta corrigir o erro ao propor a autorização da pesca de salto e vara dentro das áreas protegidas, e faz bem. No entanto, deveria ter tido a coragem de votar contra a medida desde o início, possibilitando um verdadeiro debate com o setor da pesca. Se esse debate tivesse ocorrido, hoje poderíamos ter um plano estruturado para a pesca, que não temos, em vez de um setor abandonado e injustamente rotulado como um dos grandes problemas ambientais.
Enquanto isso, o verdadeiro problema continua a ser ignorado. O mar sofre não pela pesca sustentável, mas pelas ações lesivas provenientes de terra, sem que lhes seja atribuída a devida responsabilidade. Produzimos plástico em excesso, despejamos resíduos sem controlo e poluímos os oceanos com esgotos e substâncias químicas. A narrativa de que a pesca é a grande inimiga do mar é uma farsa conveniente que desvia atenção das verdadeiras ameaças à sustentabilidade dos ecossistemas marinhos. A negligência na gestão ambiental em terra tem um impacto devastador nos oceanos, mas continua a ser varrida para debaixo do tapete, enquanto se impõem restrições injustas a quem sempre viveu em harmonia com o mar.
O distanciamento entre a comunidade científica e os pescadores não é apenas uma falha de comunicação, mas um reflexo de um problema mais profundo: a negligência sistemática da experiência empírica em favor de uma visão tecnocrática e frequentemente desconectada da realidade quotidiana. A cada dia que passa, esse desprezo pela sabedoria prática dos pescadores amplia um fosso perigoso. Estes homens e mulheres do mar não apenas sabem interpretar os sinais da meteorologia com uma precisão que muitas vezes supera modelos teóricos, mas também compreendem, com igual acuidade, os sinais do tempo em que vivemos. Ignorar essa realidade não é apenas um erro estratégico, mas um sintoma de um afastamento crescente entre aqueles que estudam o mar e aqueles que o enfrentam diariamente. A arrogância científica, ao persistir nessa postura, não apenas enfraquece a cooperação, mas compromete a própria eficácia das políticas e das soluções propostas para um setor que depende, acima de tudo, da experiência e do conhecimento acumulado ao longo de gerações.