O arguido e meu marido eram amigos de infância. Os nossos casamentos - refiro-me ao meu e ao primeiro do arguido – aconteceram quase em simultâneo. As amizades estenderam-se às esposas e mantivemos um relacionamento muito frequente, até que a esposa - mãe desta moça que acabou de sair daqui - morreu de enfarte. Dois anos depois da morte da esposa ele resolveu casar. Mas não foi possível recuperar o relacionamento, devido ao temperamento da actual esposa, da qual, aliás, está em vias de se divorciar. Entretanto meu marido foi acometido de grave doença e encontrava-se acamado há mais de um ano. O arguido visitava-nos com frequência e eram essas visitas que atenuavam o isolamento a que eu e meu marido estávamos sujeitos.
Quando ele me contou que tinha mentido quanto ao seu álibi, ofereci-me para vir contar a verdade, mas ele recusou. Disse-se inocente e adiantou que haveria outras formas de provar essa inocência. E foi mais longe, ao afirmar que preferia a prisão a sujeitar-nos à mais que provável maledicência que iria manchar os nossos nomes. Só que o meu marido faleceu há quatro dias e eu, pelo contrário, prefiro enfrentar a possível maledicência do que consentir que uma excelente pessoa seja condenada por um crime que não cometeu. Ele não sabe desta minha decisão.
Após algum silêncio, o Inspector disse: - Minha senhora o seu depoimento, que terá de repetir perante o Procurador-Adjunto do Ministério Público, é mais uma achega a outras que não duvido, irão inocentar o seu amigo.
Acompanhou a senhora e voltando-se para o seu adjunto afirmou: - Habitua-te a dar algum crédito aos palpites cá do velhote!
- Realmente! – anuiu o adjunto. Parece que estão reunidas as condições para levar o problema ao Procurador-Adjunto.
- Ainda não – respondeu. Há duas coisas que tenho de esclarecer. E vou já fazê-lo. Dirigiu-se à cadeia e solicitou autorização ao director para falar com o arguido. Foi introduzido num pequeno gabinete, onde pouco tempo depois apareceu o arguido acompanhado por um guarda. Quando ficaram sós, perguntou-lhe: - Tem duplicado das chaves do carro e a sua mulher tem acesso a elas a ponto de as poder usar ou emprestar a alguém?
- Perfeitamente, respondeu.
- Obrigado, pode retirar-se – ordenou.
Meteu-se no carro e dirigiu-se à casa do arguido.
Quando a ainda esposa do arguido lhe apareceu, ele notou de imediato que já não aparentava a mesma tranquilidade da primeira visita. A casa estava um pouco desarrumada o que ela justificou por estar de mudança para casa do irmão, pois o divórcio estava eminente. Aliás, foi uma sugestão do sobrinho que, entretanto já regressara ao continente. No entanto indagou o motivo da visita.
Perguntou então o inspector se o telefonema anónimo que recebeu - e que a PJ já confirmou - continha uma ameaça apenas ao irmão ou a mais alguém? –
- Era só ao meu irmão - respondeu.
Então o inspector tirou da algibeira o papel que o traficante entregara na PJ e perguntou-lhe: - Essa é a sua letra?
Ela leu o papel e não evitou um sinal de surpresa que não passou despercebido ao inspector. De seguida deixou-se cair numa cadeira. Respirou fundo, como que para ganhar coragem, e confessou: - É a do meu amante!
- Minha Senhora, pode emprestar-me os duplicados das chaves do carro do seu marido?
- Ele é que as tem! - afirmou.
- Oiça, disse o inspector - a sua situação está a complicar-se e mentir só a vai agravar. Diga-me onde estão as chaves. Ela então dirigiu-se à caixa onde estavam as chaves, mas quando ia para retirá-las ele susteve-a e tirando um lenço do bolso pegou-lhes e introduziu-as num pequeno saco plástico. De seguida disse-lhe:
- Pode pedir ao seu amante para comparecer na PJ para falar comigo? Se ele se apresentar voluntariamente, pelo menos no decurso das investigações, ficariam menos expostos. Se formos nós a procurar, não estaremos em condições de garantir o sigilo.