Começou por confessar que quando foi a casa do irmão não tinha a mais pequena intenção de o matar. Pretendia, sim, que ele a ajudasse a engendrar um plano que associasse efectivamente aquele telefonema a uma ameaça real. O irmão negou, pois não pretendia prestar falsos testemunhos que o podiam comprometer. E foi mais longe ao afirmar que nunca acreditou na autenticidade daquele telefonema, razão porque não assumira quaisquer precauções, pois embora não gostasse do cunhado não o julgava capaz de tal parvoíce. Acredito mais que tenha sido artimanha do teu amante.
O Inspector, interrompeu: - Foi depois das dez da noite falar ao seu irmão, pois sabemos que ele esteve acompanhado até essa hora?
- Fui às nove horas e tive de esperar que a visita saísse.
Mas quando percebi que meu irmão, alguém que eu não duvidava de que seria uma testemunha abonatória, se referia ao meu marido com benevolência e para, cúmulo citava o meu amante, isto à própria irmã que, aquando do divórcio dele, mentira descaradamente quanto ao seu carácter, uma pessoa intratável, então fiquei possuída de grande fúria e quando ele se dirigia à porta, convidando-me a sair, acertei-lhe com uma jarra na cabeça. Nova interrupção do Inspector: - E a mancha de sangue no carro?
- Aí já eu estava absolutamente fora de mim e pensei: se não me queres ser útil em vida, hás de ser depois de morto! Retirei um lenço do bolso, encharquei-o de sangue introduzi-o num saco plástico e ao chegar a casa percebendo que o meu marido já estava no seu quarto, então usei os duplicados das chaves do carro e deixei a mancha de sangue no acento traseiro. O resto já é do vosso conhecimento. Após alguns momentos de silêncio o advogado afirmou: - Pelo menos não houve premeditação!
A que o Inspector respondeu: - Tudo depende da interpretação dos juízes. Mas ainda assim, só quanto ao crime de morte. Quanto à tentativa de incriminação, ela é evidente. Até porque existe um inocente a cumprir prisão e que, me desculpem, a sua libertação constitui neste momento a minha prioridade.
E ordenou que o acompanhassem à presença do Procurador Adjunto do Ministério Público perante quem assumiria a confissão que acabava de assinar. Perante a confissão e para além de todas as outras provas o Procurador entendeu que era urgente a presença junto do Juiz. Este não demorou a constituí-la arguida e como medida de coacção a prisão preventiva. O advogado sugeriu a substituição por uma caução, mas o magistrado não concordou. No mesmo instante ordenou a libertação imediata do prisioneiro.
A drª. Andreia Gonçalves estava no seu escritório de advogada, quando recebeu um telefonema de seu pai pedindo-lhe que o fosse buscar à cadeia, pois tinha sido libertado. Louca de alegria correu para o carro e quando chegou à cadeia o pai aguardava-a já fora. Abraçou-se a ele chorando de alegria. Passada a comoção, sugeriu ao pai que passassem por casa para levar roupa e demais objectos pessoais pois quer ela quer o marido entendiam que nos tempos mais próximos ele devia ir viver com eles, no que ele concordou.
Quando foi marcado o julgamento do traficante, a drª. Andreia foi à cadeia falar com ele oferecendo-se para o defender.
Durante o julgamento a advogada recordou que, embora ciente da necessidade de retirar das ruas traficantes de droga, lembrava que só a atitude do réu, evitou que fosse cometida uma grave injustiça judicial
O Juiz condenou-o a dois anos de cadeia com pena suspensa, por igual período.
Uma noite em que jantavam pai, filha e genro, o pai disse que se informou acerca do moço. Não tinha pai e vivia com a irmã e cunhado e também a mãe. Ele possuía frequência do 11º. Ano que interrompera por morte do pai. Em vão tentou obter um emprego, mas face à crise não foi possível. Por isso enveredou por aquele caminho O cunhado, que aceitou de bom grado a sogra em casa, não via com bons olhos a presença dele. E então, pensei dar-lhe uma oportunidade. De contrário não vai passar muito tempo até que ele volte à vida antiga e consequentemente cumprir a pena de prisão. Pensei, continuou o pai, como o estabelecimento não é muito amplo, exige que quer eu quer o Martins, tenhamos de nos deslocar ao armazém com frequência. Ele talvez esteja interessado. Vou arriscar. Devo-lhe isso e muitos mais.
Dois anos depois, o moço tinha concluído o 12º. Ano e tornara-se num balcão de mão cheia.
Receberam com indiferença a notícia da pena atribuída à ex-mulher – 18 anos de prisão efectiva – como consequência dos dois crimes: assassínio e tentativa de incriminação.