Carlos Frayão

"Seria o último acto de irresponsabilidade colectiva da Humanidade"

22 de Abril de 2025


Não me passava pela cabeça, até há pouco tempo, poder felicitar aqui, como felicito, a Assembleia da República, pelo facto de quase todos os partidos nela representados, PSD e PS incluídos, terem aprovado um diploma com repercussões positivas internacionais, que prestigia Portugal, defende os valores ambientais e tenta proteger recursos estratégicos do nosso país localizados na Região Autónoma dos Açores.

Refiro-me ao diploma que impõe uma moratória de 25 anos, até 1 de Janeiro de 2050, a quaisquer actividades de prospecção e de mineração em mar profundo nas águas territoriais portuguesas, que a AR aprovou no dia 14 de Março p. p., com base em projectos de lei apresentados pelos grupos parlamentares do PSD, do PS, do BE, do LIVRE e do PAN e que contou com os votos favoráveis destes e dos restantes partidos representados na AR com excepção do CHEGA e da IL, que votaram contra.

Afigurava-se-me improvável, na actual situação política nacional e internacional, que uma proposta de lei com tal alcance obtivesse no Parlamento um consenso tão amplo como o que obteve.

Não só porque as grandes empresas, com o apoio dos governos, têm insistido em que a mineração de metais como o cobre, o níquel e o cobalto, existentes no fundo mar, é essencial para a «transição energética» (passagem à utilização de uma “energia ecológica” assente, sobretudo, em carros movidos a bateria, em semicondutores e em painéis solares).

Mas também porque na AR há hoje uma maioria de deputados de partidos de direita, comprovadamente ao serviço dos interesses das grandes empresas, e porque nas questões económicas e sociais mais relevantes do país tem-se verificado uma preocupante convergência ideológica entre o PS e o PSD, traduzida nas concessões que ambos têm feito à agenda neoliberal e na consequente degradação do Estado Social e dos serviços públicos, em geral.

Foi justíssima, por isso, a preocupação nacional que esteve na base do amplo consenso alcançado em 14.03.2025 na AR: a de tentar proteger os Açores das consequências – que poderão ser devastadoras – das concessões feitas a empresas e a países estrangeiros para procederem à exploração mineira em águas internacionais muito próximas (a cerca de 200 metros) da fronteira estendida da plataforma continental portuguesa.

Tais autorizações foram concedidas pela Autoridade Internacional para os Fundos Marinhos (doravante ISA: International SeaBed Authority), criada na sequência da assinatura, em 1982, da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar, que está mandatada para «organizar, regular e controlar todas as actividades relacionadas com a exploração de minerais nos fundos marinhos», incluindo a aceitação de pedidos de autorização de empresas interessadas em tal exploração.

Ora, a ISA renovou em 2018 uma concessão ao governo da Polónia – cuja validade vai, assim, prolongar-se até 2033 – para explorar os recursos mineiros das referidas águas internacionais muito próximas dos Açores.

Foi só em 2024 que se iniciou uma discussão, no âmbito da ISA, sobre a possibilidade de aprovação de uma moratória, a nível mundial, à mineração do fundo do mar.

Em 2021 nenhum país europeu defendia uma moratória à exploração dos recursos minerais do mar profundo.1

Em 2024 manifestaram-se a favor de uma moratória à exploração dos recursos minerais do mar profundo 25 países: 11 na Europa, Portugal incluído, e 14 fora da Europa.2

Hoje são 32 os países da Europa, da América Latina, das Caraíbas e do Pacífico que defendem uma moratória à mineração submarina.3

Há, no entanto, muitos países – como a Argentina, a China, a Coreia do Sul, a Índia, o Japão, a Noruega e a Rússia – interessados na exploração mineira do mar profundo; e outros não tomaram posição sobre a possibilidade de tal moratória (o New York Times informou que, nos EUA, uma empresa canadiana está em contacto com a Administração Trump, que pondera publicar um decreto presidencial para a autorizar a explorar metais, ao abrigo da legislação norte-americana, em águas internacionais do Pacífico).

Entre os factos que têm levado um número crescente de países a posicionar-se contra a exploração mineira dos fundos marinhos ou a propor, pelo menos, uma moratória prolongada à sua execução, destacam-se as conclusões dos estudos segundo os quais a necessidade de mineração dos fundos marinhos para a «transição energética», para além de consistir num «logro» e numa «falsa questão», representará, se for levada a cabo, um desastre ecológico generalizado e de dimensões tais que «seria o último acto de irresponsabilidade colectiva da humanidade».4

Apesar do seu inegável mérito, a lei que a AR aprovou no dia 14.03.2025 não afasta a ameaça que paira sobre a biodiversidade e a sustentabilidade ambiental do mar dos Açores, nem o perigo daquele desastre ecológico generalizado, conforme procurarei demonstrar numa próxima abordagem deste tema

 

1 CLARA BARATA, Um Apelo ao Governo para que Lute Contra a Exploração Mineira em Mar Profundo, Público de 08.05.2024.

2 Idem, ibidem.

3 Lusa e Público, 14 de Março de 2025.

4 TIAGO PITTA E CUNHA, Administrador Executivo da Fundação Oceano Azul, citado por Aline Flor no Público de 08.06.2024.




 

Não me passava pela cabeça, até há pouco tempo, poder felicitar aqui, como felicito, a Assembleia da República, pelo facto de quase todos os partidos nela representados, PSD e PS incluídos, terem aprovado um diploma com repercussões positivas internacionais, que prestigia Portugal, defende os valores ambientais e tenta proteger recursos estrat&ea…





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