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Entre a Coesão Perdida à Praia Esquecida

por Incentivo
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O assoreamento da Ribeira da Conceição não é uma situação nova, nem resulta da nova infraestrutura portuária. A necessidade de limpeza da foz é muito, mas muito antiga e requer atenção regular.

 

A Locomotiva e as Carruagens

Há um novo paradigma na discussão política regional sobre a afamada coesão dos Açores: “São Miguel é a locomotiva do arquipélago, enquanto as restantes ilhas são as carruagens”. Ora, se é para usar metáforas ferroviárias, proponho inverter essa lógica: talvez as outras ilhas sejam os trilhos silenciosos, firmes, indispensáveis, sem os quais a locomotiva não avança. Ou melhor ainda: somos o combustível, os recursos, a diversidade cultural e ambiental que mantêm o comboio em movimento.

Sem as chamadas “carruagens”, essa tal locomotiva não teria rumo, equilíbrio, nem sequer sentido. Reduzir nove ilhas a um modelo centrado numa só é não compreender a riqueza de um arquipélago feito de complementaridades.

Nenhuma ilha deve puxar as outras. Todas devem avançar juntas, cada uma com a sua força, com o seu tempo, com o seu valor.

 

Casa do Gaiato

A Casa do Gaiato na Ilha do Faial, inaugurada em 1969 na freguesia da Conceição, foi durante décadas um símbolo de apoio a crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. Inspirada na Obra do Padre Américo, teve um papel essencial na proteção e educação de menores. Desde o seu encerramento em 2011, o edifício está abandonado, mergulhado na degradação e no esquecimento. Este abandono representa não só a perda de património físico, mas também o desrespeito por uma memória coletiva de solidariedade. A proposta de o transformar em Centro Pastoral é promissora, mas exige ação urgente. Caso não seja possível a sua recuperação, deveria ser equacionada a sua venda, revertendo o valor para a recuperação do imenso e valioso património religioso do Faial, como é o caso da Igreja de São Francisco

 

Dunas do Monte da Guia

Muitas pessoas questionam o encerramento do antigo acesso à Praia de Porto Pim, defendendo a sua reabertura. No entanto, a decisão teve um fundamento sólido e uma obrigatoriedade: o caminho atravessava o istmo de dunas do sistema “Entre Montes”, zona protegida que liga o Monte da Guia ao Monte Queimado. Este era um dos raros sistemas dunares mais bem preservados dos Açores, com vegetação endémica única, como a Azorina vidalii e o Lotus azoricus. A área integra o Parque Natural do Faial, a Rede Natura 2000 e é classificada como Geositio, o que exige proteção rigorosa e regras a cumprir. Para garantir o acesso sem comprometer o ecossistema, foi criada uma passagem pedonal em madeira, destruída pelo Furacão Lourenço em 2019 e que até hoje nunca foi reposta.

 

3.ª Fase da Obra da Frente de Mar – E Agora?

Em plena pré-campanha eleitoral, é crucial saber o que propõem os partidos para uma eventual 3.ª fase da obra da Frente Mar. Insistirão no modelo da polémica intervenção da Avenida Marginal? Essa empreitada, anunciada como modernização, resultou numa cidade menos funcional, com perdas evidentes no património urbano. O projeto revelou-se esteticamente pobre, mal-executado e repleto de obstáculos, comprometendo a mobilidade, desvalorizando o espaço público e ignorando a memória histórica da cidade. Até os defensores da “modernidade” reconhecem hoje os milhões mal investidos num resultado difícil de justificar. Agora, persistem dúvidas legítimas: manter-se-á a prioridade à imagem em detrimento da utilidade? Voltar-se-á a ignorar as reais necessidades da população e da vida urbana? A cidade da Horta não precisa de intervenções megalómanas para se afirmar. A Avenida Marginal bela, identitária, reconhecida, fala por si. Resta saber: continuar-se-á a repetir os erros do passado ou vamos inverter este rumo no próximo mandato autárquico?

 

Ribeira e a Praia da Conceição

A construção do molhe do Terminal de Passageiros da Horta foi um erro grave, que comprometeu muito a funcionalidade do nosso porto, tem de ser reconhecido e resolvido. No entanto, não pode ser utilizado como desculpa para todos os problemas da nossa baía e para inércia de avançar com soluções.

O assoreamento da Ribeira da Conceição não é uma situação nova, nem resulta da nova infraestrutura portuária. A necessidade de limpeza da foz é muito, mas muito antiga e requer atenção regular, sendo uma intervenção anual essencial, tal como acontece na Praia do Almoxarife.

O problema, este ano, é que essa limpeza não foi feita. A isto somou-se o corte da trepadeira “unha-de-gato” e a consequente estagnação das águas, o que poderá estar na origem do sucedido na última semana na ribeira. A libertação de seiva e matéria orgânica em água parada pode explicar a coloração esbranquiçada das águas e o mau cheiro, resultado da decomposição, sedimentos acumulados e falta de escoamento.

Foram emitidos comunicados oficiais para apuramento de responsabilidade e a interditar banhos na Praia da Conceição, mas a verdade é que esta já se encontrava imprópria há muito tempo: sem areia, coberta de algas, lixo e com odores desagradáveis. O mais inexplicável foi o hasteamento das bandeiras que assinalam o início da época balnear, como se nada se passasse, quando não existiam as mínimas condições para tal.

Na Praia de Santa Cruz, na Graciosa, é feito um recarregamento anual de areia, num ano pela Secretaria Regional do Ambiente, no outro pela Portos dos Açores. Talvez essa seja a receita a seguir para recuperar uma das mais belas praias desta ilha. Que sirva também de alerta: Estar sempre a culpar o passado não é a solução e dar a devida atenção às nossas zonas balneares de forma atempada é o mínimo exigível.

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